Nova lei faz disparar o número de divórcios. Separações sem mútuo consentimento podem triplicar.
Durante quinze anos, Mariana abdicou da carreira de pediatria para poder acompanhar o marido, Gonçalo, rumo a Nova Iorque e Londres, onde é quadro superior num banco japonês na City. Depois de uma vida em conjunto passada no estrangeiro, Mariana regressou a Portugal. Sem o marido mas com os dois filhos e até já começou a trabalhar num hospital. A pediatra aproveitou a boleia da lei do divórcio, que entrou em vigor há uma semana, para se separar. “A nova legislação permite a Mariana ser recompensada por ter renunciado à profissão em prol da família. Com a anterior lei, nada receberia. No máximo teria direito a uma pensão de alimentos”, afirma a advogada Arménia Coimbra.
Já Cristina aguardava desde Julho pela pela aplicação da Lei Nº 61-2008, que entrou em vigor esta semana, porque não queria voltar a recordar em tribunal os episódios de violência doméstica de que foi vítima. Com a lei anterior, não teria outro remédio senão reviver os horrores dos oito anos de casamento, que incluíram mesmo tentativas de homicídio por parte do marido.
Histórias reais como as de Mariana e Cristina ajudam a explicar porque 2009 será “o ano de todos os divórcios”, como refere a maioria dos dez advogados especializados em Direito da Família contactados pelo Expresso. “Os casos de divórcio sem mútuo consentimento vão triplicar. E estou a ser optimista pois podem ser muito mais”, profetiza Ricardo Candeias.
Numa contabilidade feita por alto, isso resultará em, pelo menos, 4500 acções, já que em 2007 o número de rupturas litigiosas rondou as 1500 (num universo de 25 mil separações). Na mesma lógica, também os divórcios com mútuo consentimento irão disparar. Segundo a advogada Adelaide Guitart, para o dobro dos casos, “pelo menos no primeiro ano da lei, enquanto não passar o efeito de novidade”.
A possibilidade de haver 50 mil casos de divórcios no final do próximo ano não é fácil de digerir. Mas o Expresso fez uma pequena experiência que ajuda a comprovar a tese: tal como Mariana e Cristina, há entre 500 e 800 pessoas (casadas no papel mas na prática separadas) que esperaram durante meses pela aplicação da lei para dar a estocada final no casamento. “Tenho uma dezena de clientes com o matrimónio no limbo. Muitos nem sequer sabem do paradeiro do seu cônjuge”, revela Ricardo Candeias. Segundo este advogado, a lei tem o mérito de contribuir para “mudar mentalidades”. A popularidade desta lei, afiançam quase todos os especialistas, deve-se em grande parte, à eliminação da culpa como fundamento no divórcio sem mútuo consentimento. Nem todos acreditam, porém, que o litígio desapareça do dia para a noite. “O problema da culpa mantém-se, já que no tribunal discutir-se-ão os factos que levaram à ruptura do casamento, esmiuçando-se a vida privada dos cônjuges”, acrescenta Ricardo Candeias. Já no divórcio por mútuo consentimento, a grande novidade é que deixará de haver acordos prévios. “O juiz decide sobre as questões que os cônjuges não acordaram, como a casa de morada de família, as responsabilidades parentais ou a pensão de alimentos”, diz Arménia Coimbra.
Sobre a pensão de alimentos, a justiça terá mão pesada sobre os incumprimentos, o que não acontecia com a anterior lei. “Quem falhar com o dinheiro ao fim de dois meses pode ir para a prisão”, informa Adelaide Guitart.
Guerra de tachos e panelas
Para o advogado Miguel Costa Gomes, nem tudo é tão linear como parece. “O que antes era de fácil resolução, agora tornou-se numa zona de conflito. É preciso lembrar que 80% dos divórcios litigiosos terminavam em mútuo consentimento. A percentagem será muito menor”, vaticina. A advogada Liliana Ferreira é ainda mais céptica: “A lei tornará o litígio entre os cônjuges bastante maior e mais penoso. Haverá uma guerra dos ‘tachos e panelas’ na hora da partilha.”
As suas colegas Adelaide Guitart e Rita Sassetti, que esta semana sentiram um aumento do número de clientes a avançar com processos de divórcio, alertam para o perigo de os tribunais “serem entupidos com casos menores” nos próximos tempos. “Esta lei vai tornar as pessoas mais irresponsáveis, já que nem sequer se vão esforçar para se entenderem. Divorciam-se e já está”, diz Adelaide Guitart. E receia que as próximas gerações sejam de “filhos de pais divorciados”.
Como medida de prevenção, Rita Sassetti preferiu até apressar alguns processos de divórcio antes que a lei entrasse em vigor. “Estava em causa o exercício do poder paternal. Nesta área vai haver muita litigância”, adverte.
Fonte: Expresso (Ver mais aqui).
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